5.3.17

JESUS, MITOLOGIA, INANNA E O FATOR MELQUISEDEQUE

JESUS, MITOLOGIA, INANNA E O FATOR MELQUISEDEQUE

Por Jones Mendonça

1. INTRODUÇÃO
Vez por outra leio um texto que defende a idéia de que Deus não pode ser considerado exclusivo por nenhuma religião. A fundamentação para defender tal teoria vem de teólogosfilósofosmitólogos e psicólogosque se destacaram nas disciplinas nas quais dedicaram seus estudos. Na opinião de muitos desses especialistas Deus pode ser percebido nas mais diversas religiões e culturas. Dentre eles podemos destacar Paul Tillich(teólogo), Leibniz (filósofo), Joseph Camblell (mitólogo), Carl G. Jung(psicanalista) e Teilhard de Chardin (teólogo, filósofo e paleontólogo).

Um dos pensadores que mais se dedicou a essa idéia foi o psicanalista CarlJung. Na opinião desse pensador “a religião é indiscutivelmente uma das mais antigas e gerais manifestações da alma humana[1]. O sentimento religioso seria algo que invade os ser humano independentemente de sua vontade. É o que Rudolf Otto chamava de numinosum[2]. Carl Jung, discípulo de Freud, era um dos que defendia o caráter arrebatador donuminosumNuma entrevista dada à televisão inglesa, ao lhe perguntarem se acreditava em Deus, Jung respondeu: “I do not believe, I know” [3] (eu não acredito, eu sei).Mas há os que possuem interpretações diferentes para a origem de Deus. Para Freud, pai da psicanálise, essa idéia seria fruto de um recalque. Já para Carl Marx o sentimento religioso seria um produto social. Para Feuerbach a religião não passaria de mera fantasia.

Nós cristãos cremos que Deus se revelou de forma mais explícita e nítida aos judeus, ainda que num processo gradual e crescente. O ápice dessa revelação teria se dado com o advento de Cristo, o homem-Deus encarnado. Esse é um dogma cristão que não pode ser negado, pois sem ele o cristianismo perderia sua razão de ser.

2. UM MITO INQUIETANTE
Um estudo minucioso das religiões mundiais nos mostra que há nelas elementos surpreendentemente semelhantes aos que ocorrem no cristianismo. Mais perturbador ainda é perceber que alguns temas religiosos ocorriam em religiões primitivas antes mesmo do cristianismo ter se formado. Algumas dessas idéias já ocorriam com freqüência em diversas religiões, como bem atesta Joseph Campbell nas suas obras “O poder do Mito” e “As máscaras de Deus”.

mito da ressurreição de Innana, escrito em tabletes de barro em torno de 1750 a.C. encontrado entre 1889 e 1900 em Nippur, centro religioso da antiga Suméria é um desses exemplos. Alguns se seus temas nos são bastante familiares: ida ao mundo subterrâneo,ressurreição dos mortos (da deusa e de alguns que lá estavam), período detrês dias no mundo inferior epresença de mensageiros (anjos) no episódio da ressurreição. Alguns dirão que os evangelhos copiaram o mito de Inanna, adaptando-o à narrativa da paixão. Será?

As discussões a respeito da interpretação do mito de Inanna são muitas. Alguns entendem que o mito tem a ver com o ciclo do renascimento da vegetação. Outros vêem nele uma conotação política, já que há no relato uma clara disputa pelo poder. Para outros ainda,

a descida de Inanna, deusa da Suméria, ao mundo subterrâneo pode ser interpretada por um leitor moderno como uma descrição psicologicamente exata e poeticamente vida da iniciação da mulher no seu poder feminino[4].

A despeito das inúmeras interpretações sugeridas ao mito da deusa sumeriana, não é possível fechar os olhos para as semelhanças que possui com o relato da paixão de Cristo.


3. UMA POSSÍVEL SOLUÇÃO

Cristãos mais ortodoxos ficarão arrepiados pelo simples fato do nome “Jesus” surgir ao lado de uma divindade pagã (no título do artigo). Ateusmais extremados virão neste relato uma boa oportunidade para dizer que o cristianismo copiou idéias pagãs. Mas a coisa não é tão simples assim.

Aquele que se dedicar ao estudo dos mitos mundiais perceberá que os temas neles presentes são surpreendentemente semelhantes, apesar de surgirem emocasiões locais totalmente distintos. Como explicar tais semelhanças? Por que essas imagens “pipocam” vez por outra nos mais diversos lugares.Carl Jung foi um grande estudioso dos mitos e pôde perceber que
“determinadas idéias existem por quase todosos cantos e em quase todas as épocas, podendo mesmo formar-se espontaneamente, absolutamente independentes da tradição e da migração. Não são elaboradas pelo indivíduo, mas ocorrem a ele, e mesmo invadem a consciência individual. Não se trata aqui de Filosofia platônica e sim de Psicologia empírica”[5].
Tais idéias se repetem ao longo dos séculos em narrativas religiosas, sonhos e contos populares. Não podemos ser inocentes a ponto de negar a antiguidade, repetição e universalidade desses relatos. Por outro lado não podemos ser céticos a ponto de duvidar do relato neo-testamentário damorte vicária ressurreição de Cristo. Aliás, a morte de um Deus que encarna e morre pelos pecados da humanidade é algo que não encontra paralelos em nenhuma religião

Uma obra interessante que busca das respostas a este problema é um livro do antropólogo e lingüista cristão Don RichardsonEle chama esses insightsde “Fator Melquisedeque”, já que estesoberano (Melquisedeque) conhecia o Deus deAbraão mesmo sem pertencer à sua linhagem. O autor do livro procura mostrar que a revelação de Deus aos povos não foi feita exclusivamente aos hebreus, mas que ocorreu paralelamente a ela, ainda que em escala inferior. O livro é cheio de relatos coletados pelo autor em diversas partes do mundo, cuja semelhança com conceitos cristãos são espantosos. Para Don Richardson, esses mitos pagãos apontariam para Cristo, revelação plena de Deus ao homem.

Alguns questionamentos me invadem após refletir sobre todas essas questões. Seriam esses povos salvos mesmo sem conhecer o evangelho de Cristo? Caso isso seja verdade, que posturadevemos tomar? Até onde devo estar aberto a uma cultura estrangeira, quando, por exemplo, sinto ser possível adaptar elementos litúrgicos praticados por nós à cultura local? Posso ser sincrético na forma sem comprometer o conteúdo?

Todas esses problemas nos dão o que pensar. Crendo ser Jesus a manifestação plena de Deus ao homem, persigamos nossa tarefa de evangelizar as nações.

Bibliografia:
JUNG, Carl. Psicologia e religião. Rio de Janeiro: Zahar, 1965.
CAMPBELL, Joseph. As máscaras de Deus. Tradução de Carmem Fischer. São Paulo: Palas Athena, 1992.
WILKINSON, Philip; PHILIP, Neil. Guia ilustrado Zahar: Mitologia. Tradução Áurea Akemi. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2008.


Notas:
[1] JUNG, Carl. Psicologia e religião. 1965, p. 9.
[2] Para maiores esclarecimentos a respeito desse termo, leia o artigo “o que é o numinosum”, neste blog.
[3] Ibid, p. 5.
[4] WILKINSON, Philip; PHILIP, Neil. Guia ilustrado Zahar: Mitologia, 2008, p. 15.
[5] JUNG, Carl. Psicologia e religião. 1965, p. 11.


Imagens:
Figura 01: Capa do livro “As máscaras de Deus”, do mitólogo Joseph Campbell.
Figura 02: Innana, deusa sumeriana.
Figura 03: Capa do livro “O fator Melquisedeque”, de Don Richardson.